quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O choque da chegada

Após seis meses na Zâmbia, cheguei a Inglaterra na sexta feira de manhã. Ainda me parece tudo muito estranho e ainda me sinto um pouco atordoada com esta rapidez de vida que se vive deste lado do mundo e que contrasta tanto com a lentidão e o relaxamento vivido em África.
Tenho tentado reflectir sobre a minha experiência na Zâmbia, mas tem sido complicado. Para mim, é óbvio que foi uma experiência inesquecível e enriquecedora, mas este choque de voltar à civilização e de estar repentinamente sem as pessoas com quem estava habituada a passar 24h por dia, tem me abanado um pouco as ideias.
Tudo me parece estranho, desde a mobília ao comportamento das pessoas. E mesmo quando as pessoas falam comigo (até sobre as coisas mais banais), nunca sei muito bem o que hei de responder.
Enfim, penso que esta confusão passará com o tempo. No final de contas, passei meio ano num sítio pouco desenvolvido sem metade das condições que tenho agora!
Se parecer muito lenta ou desorientada, não se preocupem. É só o choque da chegada.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Um pequeno desabafo

A treze dias para deixar a Zâmbia, não me posso sentir mais grata por ter tido esta experiência. No entanto, sinto que já está na hora de voltar para casa.

Estes meses nem sempre foram fáceis, mas fizeram-me aprender muito.

Por um lado, tenho a sensação que já estou aqui há anos, mas por outro, tudo passou muito rápido.
Vou sentir falta da simplicidade de viver que existe aqui, da alegria das crianças, das árvores, dos animais e do ceu estrelado. Não vou sentir falta das pessoas pedirem-me dinheiro, da variação de preços consoante a cor da pele e da lentidão para fazer o que quer que seja.

Sinto que uma nova etapa está prestes a começar  - o retorno ao mundo desenvolvido. Tenho a certeza que não olho as coisas da mesma maneira de que o fazia quando deixei Inglaterra em meados de Maio.

Acima de tudo, sinto que me tornei mais honesta e humilde. Dou mais valor aquilo que tenho. Apesar de nunca ter sido muito materialista, sinto-me cada vez mais desprendida das “coisas”, o que resulta num grande suspiro de alívio. As “coisas” são pesadas, prendem-nos a tudo aquilo que não interessa.

Cada vez mais tenho vindo a sentir que a família desempenha um grande papel nas nossas vidas. No passado, por vezes,  não me sentia confortável em partilhar muitas das minhas coisas com a minha família porque acreditava que não era compreendida. Tinha medo de ser julgada.

Durante o tempo que estive aqui, recebi um incrível apoio da minha família, o que me fez ver que estava enganada. A minha família vai estar sempre do meu lado.

E claro, os amigos também desempenham um grande papel nas nossas vidas. Não é fácil encontrar amigos verdadeiros, mas hoje, posso afirmar com toda a certeza que os tenho.

Para além das pessoas, cada vez sinto mais Deus.  Apesar de nestes últimos anos me ter afastado da Igreja, cada vez mais sinto que a minha vida faz sentido com Ele, que me acompanha sempre em toda a parte.

Assim, deixo a Zâmbia mais rica. Não certamente em dinheiro, mas em experiências que lentamente mudaram a minha maneira de ver a vida.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O que não contei a ninguém

Hoje quero-vos falar de um tema diferente, de algo que está comigo desde que nasci e, que, por consequência também está aqui na Zâmbia. Nasceu comigo, cresceu comigo, viajou comigo ... mas mesmo assim a nossa relação não é a melhor.
Hoje quero falar-vos de paralisia cerebral. Pensei duas, três, quatro, cinco vezes antes de escrever sobre isto. Não é o que eu gosto mais de falar ou de pensar, mas às vezes sinto necessidade de partilhar.
Quem me conhece, sabe que ando de uma maneira estranha e não muito normal. Também sabe que tenho alguma dificuldade em certos movimentos com as minhas pernas que envolvem equilíbrio e flexibilidade. Às vezes tropeço e caio. Mas, o que muitas pessoas não sabem é a origem deste "problema".
Nasci de seis meses e, portanto, fui uma bebé prematura. Durante o meu nascimento, sofri de falta de oxigénio no cérebro, o que me provocou paralisia cerebral, que apesar de leve, não tem cura.
Lembro-me pouco dos meus primeiros anos. Sei que fui submetida a vários anos de tratamentos (especialmente fisioterapia), mas não me lembro de nenhum.
As minhas lembranças começam no fim da escola primária e no início da escola básica. Lembro-me de mudar de escola e lembro-me de me sentir diferente. Lembro-me também de sofrer de bullying pelo menos até ao 9º ano de escolaridade. Lembro-me de não gostar da escola, mas achar que era a única coisa em que era boa. Lembro-me de ser posta de lado, apesar de fazer todos os esforços para me integrar. Lembro-me também das pessoas de fora acharem que eu não me relacionava o suficiente com os meus colegas de escola. Tudo isto deixou uma grande marca em mim que, às vezes, ainda dói.
A escola básica acabou e começou o ensino secundário. Foi aí que me apercebi que, mais do que ser diferente fisicamente, tinha uma maneira de ver as coisas um pouco diferente da maioria. Não estava interessada em "seguir o rebanho" e fazer tudo o que as outras pessoas faziam. No entanto, sentia-me um pouco confusa e com medo de não ser aceite. Na altura, tinha memórias vivas e aterrorizadoras de pessoas que me discriminavam por eu ser deficiente. Nunca gostei da palavra "deficiente". Dá-me arrepios.
Foi também aos 16 anos, durante o ensino secundário, que tive a confirmação pelos médicos que nada havia a fazer no meu caso para além de exercício físico regular, que podia resultar em pequenas melhoras na coordenação e equilíbrio. Devo confessar que tinha uma pequena esperança que algo pudesse mudar naquela altura, algo que me fizesse mais normal, que fizesse com que as pessoas gostassem mais de mim.
Na universidade, foi tudo diferente. As pessoas em geral aceitaram-me sem grande problema. Claro que sempre houve pessoas que faziam pouco de mim, mas não muitas. Comecei a falar mais abertamente sobre o assunto, o que antes não conseguia fazer.
Mesmo assim,durante anos, evitei chamar muito à atenção, mostrar as minhas pernas ou pés ou mesmo andar em frente a quem não conhecia. E, apesar de ter que fazer exercício físico, evitei fazê-lo à frente de muita gente. Tive medo de ser gozada novamente e de me sentir como se fosse lixo. Isto fez-me perder muitas idas ao ginásio, aulas de pilates ou de yoga.
Esteja onde estiver, o medo de não ser aceite, vem comigo. Umas vezes mais fraco, outras vezes mais forte, ele marca sempre presença. Umas vezes consigo derrotá-lo, outras não.
Demorei tempo de mais a perceber que toda a gente tem medos, fraquezas e muito poucas pessoas se sentem confiantes. Demorei tempo de mais a perceber que faço muitas coisas bem, mesmo sendo portadora de paralisia cerebral. Demorei muito tempo a perceber que é bom ser diferente. Mas às vezes distraio-me e esqueço-me do que demorei muito tempo a perceber. Ás vezes, o medo e a tristeza voltam e querem ficar.
Antes de vir para a Zâmbia, tive uma pequena vozinha na minha cabeça que me dizia que era demasiado deficiente para vir. Apesar de este vozinha doer muito cá dentro, contrariei-a e vim na mesma. Queria lutar contra as desigualdades neste mundo, pois sei bem o que é ser diferente.
Nos primeiros meses na Zâmbia, tive desafios. Tropecei em pedras, caí e magoei-me muitas vezes. Podia passar 100 vezes no mesmo caminho e não cair, mas um dia passava no caminho e caia. É sempre assim quando caio. Sinto-me sempre frustrada por não perceber a razão da queda.
Como acontece sempre, cada vez que caía, a voz vem. Se deixo a voz vencer, continuo a cair. Passei um mês assim e a esperança esteve quase a morrer. Até pensei em desistir.
A verdade é que sinto que não valho nada quando tropeço e caio no chão. Sinto-me humilhada. Também me sinto um problema. Na altura pensei: Vim para África resolver problemas e afinal, eu sou um problema?
Outro desafio que tive foi o facto de não conseguir andar de bicicleta. Ainda antes de ver, tentei e cheguei a conclusão que não tinha força ou equilíbrio suficiente para andar numa bicicleta normal. Custou-me muito aceitar isto. Gostava tanto de andar de bicicleta!
Apesar destes desafios, nunca fui discriminada aqui na Zâmbia.
Há uns dias fui às escolas que receberam as bicicletas e atrelados que eu e a minha equipa angariámos. Fomos de autocarro. Quando chegámos, a pessoa que estava à nossa espera pensava que tínhamos bicicletas, pois tínhamos 7 km pela frente. Um dos meus colegas disse que não tínhamos e que eu não conseguia andar de bicicleta. Pus-me a pensar na ironia de fazer parte de uma equipa que angaria dinheiro para bicicletas, sendo que eu não sei andar de bicicleta. Continuei a andar com a minha mochila às costas. Aqui ando muito, normalmente 7 km por dia.
Quando estávamos quase a chegar, tropecei, caí, rompi as calças e magoei-me. Mais do que a dor no meu joelho (que não foi nada de grave), senti-me triste, humilhada e não consegui conter as minhas lágrimas, o que me fez sentir ainda pior. Há muito tempo que não caía, muito menos em frente a uma pessoa nova.
Quando cheguei a casa da nossa anfitriã, toda a gente sabia do sucedido. A anfitriã ligou ao nosso líder de projecto que lhe disse que eu tinha um problema de saúde. A vergonha disparou.
Odiava o facto de alguém pensar que eu não era capaz de andar, sendo que ando vários quilómetros todos os dias. Odiava o facto de alguém me ter visto naquele momento de extrema humilhação em que até chorei. Senti-me verdadeiramente incapaz de fazer o que quer que fosse.
No final de contas, viemos a perceber que não era suposto termos ido para aquela casa, pois tínhamos que andar 14 km todos os dias. Era suposto ficarmos numa pequena casa de arrumações perto da escola. Foi um erro de comunicação.
Apesar de tudo ter corrido muito bem depois deste incidente, estes momentos fazem-me pensar.
As escolas que visitei estão localizadas nos locais menos desenvolvidos que alguma vez visitei. As pessoas são felizes e gratas por aquilo que têm, apesar de terem pouco ou nada. Sou uma privilegiada em comparação com estas pessoas, o que me faz pensar que deveria estar grata pelo aquilo que tenho e não me culpar pelas coisas que não posso mudar.
Tenho sorte por ter nascido com paralisia cerebral leve e me movimentar sem ajuda. Tenho sorte por ter tido educação e  oportunidades variadas, incluindo vir para a Zâmbia trabalhar num projecto de ajuda ao desenvolvimento.
Tenho perfeita consciência que, apesar dos desafios que posso encontrar, sou privilegiada. Mas nem sempre é fácil.
Não escrevi este post para terem pena de mim. Não preciso disso. Escrevi este post para partilhar algo que raramente partilhei com quem quer que fosse, para por cá para fora o que está há muitos anos entalado na minha garganta.
Algumas pessoas pensam que eu sou forte por fazer coisas diferentes. Eu não concordo. Acho sim que continuo na luta por mim e por todos aqueles que, de alguma forma, são diferentes. Algumas vezes ganho vantagem, outras vezes perco. Mas continuo.







sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Uma viagem interior

Vir para a Zâmbia, para mim, foi muito mais do que vir para um país diferente. Foi uma reviravolta na minha vida em todos os aspectos.
Chegada à Zâmbia, deparei-me com situações que vão muito para além de ter que usar uma latrina ou tomar banho de balde. Deparei-me com pessoas diferentes, mas no fundo, iguais.
Cheguei à conclusão que andamos todos um pouco confusos com o que se passa a nossa volta. Descoberta curiosa. Às vezes pensava que era a única.
Quis tanto resistir a esta realidade, que o ser humano é um ser confuso. Quis resistir a realidade da miséria, da corrupção, da desigualdade, injustiça. do alcóol, das drogas, das expectativas, desilusões e dos relacionamentos falhados. Isto provocou um terramoto na minha cabeça. Fiquei zangada e tentei a todo o custo juntar as peças que restavam do que havia anteriormente. Sem sucesso.
Por mais que tentasse, não conseguia reconstruir o a minha realidade pessoal anterior. Algo mudou em mim que não volta atrás. Mas porquê tão confusa? Porquê tão confusa? A resposta é simples: Medo.
Sim, medo, toda a gente tem medo. Durante anos, tinha vergonha de admitir que tinha medo porque não queria parecer fraca, medo de dizer que estava confusa para não parecer uma pessoa “sem rumo” ou “perdida na vida”, medo de desiludir a minha família. No fundo, medo de não ser amada.
Em vez de encarar o medo com uma coisa natural, fui começando a sentir culpa e pondo o medo a um canto fechado a sete chaves. Mas só que o medo começou a pairar no terramoto de ideias e a provocar-me um desconforto que me queria aprisionar.
Quando andava no 12º ano, fui a algumas aulas de Psicologia. Lembro-me bem do professor dizer que o maior medo do ser humano é não ser amado. Compreendi a teoria, mas levei alguns anos a compreendê-lo na práctica.
Quer seja em Portugal, na Zâmbia ou na China, milhões de pessoas sentem-se condicionadas pelo o que as outras pessoas esperam delas, com medo de não ser aceites e, em consequência, de não ser amadas. No fundo, estão condicionadas por elas próprias, pelos julgamentos internos e pelo o medo de não corresponder às expectativas.
Ao criar estas barreiras psicológicas e ao tentar incansavelmente corresponder às expectativas que os outros têm sobre nós, o ser humano afunda-se na confusão. Daí deriva a depressão, abuso de alcóol, drogas e outros hábitos negativos que acabam por castigar o nosso corpo e a nossa alma.
Para quê viver uma vida centrada em corresponder às expectativas se isso nos faz mal? É como se nos fechássemos numa cela e, apesar de termos as chaves nas mão, preferíssemos ficar presos. Sentimo-nos que não conseguimos atingir o que os outros esperam de nós. Sentimo-nos inferiores a todos aqueles que parecem seguir uma vida bem sucedida, aos nossos olhos. Mas será que devemos guiar a nossa vida pelos outros, vivendo condicionados e rebaixados por nós próprios?
Agradeço por estar aqui, por esta viagem me ter dado um pouco mais de honestidade.
Se calhar é tudo mais fácil do que pensamos.

domingo, 10 de agosto de 2014

Voluntariado, mitos e verdades

Há algum tempo que não escrevo no blog. Tenho andado muito ocupada. Apesar de tudo, estou muito contente por estar aqui. Cada vez a gostar mais do ambiente em que vivo e das pessoas!
Quando decidi vir para a Zãmbia, não foi fácil.Apesar de ter tido apoio, muita gente me deu a conhecer as suas inquietudes acerca da minha vinda como voluntária. Aqui estão alguns pontos que gostaria de esclarecer sobre o assunto:

1. “Voluntariado é um desperdício de dinheiro. Devias era arranjar um trabalho e fazer-te à vida” - Estas foram as duas frases que mais ouvi antes de vir. É certo que para ser voluntária na Zâmbia, tive o apoio dos meus pais, o que foi (e é!) indispensável. Nem todos  os voluntários o têm! Entre os meus colegas, há alguns que não têm apoio exterior.
Apesar de entender as preocupações de algumas pessoas que teceram este tipo de comentários, classifico-os como completamente desnecessários. Infelizmente, nos dias de hoje, liga-se mais ao dinheiro e a “seguir o rebanho” do que às motivações individuais e ao desenvolvimento pessoal.

2. “És muito nova, não sabes nada sobre a vida. Devias era fazer um mestrado. Sem mestrado não se é ninguém” - Ao terminar  a minha licenciatura, com 20 anos, percebi que era tempo de me dedicar a uma coisa diferente, que realmente importasse. Há muito tempo que pensavir para em vir para África e achei que a altura era a ideal, sem nunca excluir a hipótese de continuar os meus estudos. Hoje posso dizer que sei mais sobre a vida do que sabia antes de deixar Portugal ou Inglaterra. E felizmente, continuo a ser alguém, mesmo sem mestrado.

3. “Se queres ser voluntária, porque é que não és voluntária no país em que vives?” - Esta é a questão que mais entendo. Há pessoas a precisar de ajuda por todo o mundo, mesmo nos países desenvolvidos. Tive a oportunidade de trabalhar como voluntária numa ONG portuguesa (Sapana) e em duas associações francesas. No entanto, queria uma experiência num país em desenvolvimento, onde as necessidades fossem mais básicas e latentes. Queria ver como se vivia e ajudar no que estivesse ao meu alcance.

4. “Os voluntários em África são pessoal estranho que passa a vida a passear, beber e fumar erva e no fim não fazem nada” - Algumas pessoas pensam que pelo o facto de uma pessoa querer vir para África ajudar os que mais precisam significa que essa pessoa é ingénua ou demasiado alternativa. Normalmente, as pessoas com esta opinião, pensam que os voluntários em África vivem numa espécie de Woodstock porque em África o alcool e a droga não são difíceis de encontrar.
Com certeza que há voluntários com este tipo de comportamento … como também há estudantes universitários com o mesmo comportamento! Não generalizemos!

5. “Só é voluntário quem não tem mais nada que fazer” -  A maioria dos voluntáros tem boas intenções. Não é toda a gente que abdica do seu tempo e conforto para para ajudar. Ter o que fazer ou não é muito subjectivo. Mas, no caso de uma pessoa não ter mais nada que  fazer, é sempre melhor ser voluntário do que não fazer nada de todo.

6. “As ONGS são todas corruptas e os voluntários ajudam à festa” - Muito infelizmente, há corrupção nas ONGs como há corrupção em todo o lado. Os voluntários não servem para corromper as ONGs. Os voluntários estão na base da pirâmide, portanto nunca ganham nada com a corrupção que possa existir. Se um voluntário quiser fazer alguma coisa e não puder por causa da corrupção, o mesmo sai prejudicado e não beneficiado.

7. “Vão te matar só por andares na rua” - Não sei como é nos outros países africanos, mas pelo menos aqui na Zâmbia, ninguém anda a matar pessoas na rua. Pelo contrário, querem parar para falar comigo e tirar fotos na minha companhia.

  Até ao próximo post!

sábado, 5 de julho de 2014

Vacas, cabras, galinhas e o leão

Antes de chegar à Zâmbia pensava que iria encontrar imensos animais aqui: macacos, elefantes, zebras, leões, hienas ... enfim, todos aqueles que aparecem no filme do Rei Leão.  E porque não? Tinha visto na internet imensas publicidades de safaris na Zâmbia com imensos animais. Para além do mais, o meu projecto seria no meio do mato (“bush”, como aqui chamam), o que aumentava as possibilidades de contacto com vida selvagem.

Após mais de um mês aqui, posso dizer que tenho tido imenso contacto com vida selvagem: vacas, cabras e galinhas. Mas se pensam que estes animais não são nada de especial, estão muito enganados.
As vacas têm um ar pouco amistoso. Não sei se sou a única, mas sempre que penso em vacas, vem-me a imagem de uma vaquinha preta e branca a ruminar num verde prado. Aqui não há verdes prados, as vacas têm cores aleatórias, chifres enormes e andam a passear por todo o lado. A  minha relação com as vacas da Zâmbia está em processo de evolução. Não lhes acho muita piada.

As vacas  são muito utilizadas aqui para puxar carroças, um meio de transporte vital para os moradores da área rural onde vivo. Estão por todo o lado.



No outro dia, ia sozinha e tranquila a andar, quando um local se junta a mim. Tentei falar com ele em inglês, mas ele só falava Lenje (a língua local). Ele estava muito feliz por estar a andar ao lado de um Musungo (o que eles chamam aqui aos brancos) e eu fiquei feliz por ele.

De repente, o senhor começa a dizer palavras na língua local, mas eu não percebi nada. Olhei para trás e vi duas vacas demasiado perto. Quase que conseguia tocar nos chifres delas se quisesse. Não gostei.

Um dos meus colegas voluntários, muito indignado com o meu medo irracional, resolveu obrigar-me a andar pelo meio das vacas ao pé de uma quinta por onde passámos ontem. A relação é recíproca. Elas têm medo de mim.



Com as cabras, a história é muito diferente. As cabrinhas estão por todo o lado, mas isso não me incomoda nada.

Tudo começou na primeira semana que passamos aqui em Chibombo. As cabras estavam na hora do pasto e, quando se aproximaram da nossa casa, um dos nossos colegas que já está cá há mais tempo avisou-nos que as cabras comem a roupa que deixamos no estendal.

Mal vi as cabras a aproximarem-se da nossa roupa, comecei a andar em direcção às mesmas e a fazer muito barulho. As cabras entraram em pânico. Desde aí, tenho o hábito cruel de assustar cabras. Tenho que parar com isso.



Quanto às galinhas, ninguém parece muito preocupado. Passeiam por todo o lado e, quando estão prestes a ser mortas, são amarradas.

O que mais gosto nas galinhas é o facto destas aves viajarem nos mini buses, como se de bagagem se tratassem. No entanto, não parecem muito incomodadas. Ás vezes ainda largam uma pena ou outra, mas acho que no fundo se sentem especiais por terem a honra de viajar num mini bus.
Após mais de um mês aqui, estes animais fazem parte do meu dia-a-dia e mesmo que não goste de alguns deles, acho que a minha vida rural não seria a mesma sem eles.

Ontem, o nosso líder de projecto avisou-nos que um leão anda fugido de um jardim zoológico aqui perto. Também acrescentou, com toda a calma, que o leão tem andado pelas redondezas, movendo-se especialmente à noite (quando me costumo deslocar para a sala dos computadores, a 10 minutos a pé da minha casa).

Não gosto desta nova vida selvagem que se quer intrometer na minha vida rural. Espero que o leão seja apanhado depressa. Não quero nada que as cabras, vacas e galinhas sejam apanhadas pelo rei da selva.


Nota: Quando me refiro às vacas, os bois/touros também estão incluídos. Refiro-me a vacas não por preguiça, mas porque acho assustadora a hipótese de me cruzar com bois e touros a cada 10 min nos caminhos para os sítios que visito diariamente. Primeiro vou aceitar as vacas. Numa segunda fase, aceito  que os bois/touros existem.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Buracos

A ideia deste blog surgiu num mini bus na Zâmbia ao som de música local, enquanto ia batendo com a minha cabeça no vidro da janela no dito veículo devido aos buracos da estrada. Apercebi-me que há momentos que têm que ser partilhados.

Apesar de ter um blog onde escrevo em inglês (http://marianavolunteer.blogspot.com), senti-me na necessidade partilhar experiências (diferentes) na minha língua materna. Uma medida necessária à minha sanidade mental, uma vez que só a uso nas minhas ideias, para falar com os amigos e família na internet e às vezes com as gatas e insectos que tenho em casa.

Pois bem, passo-me a apresentar. O meu nome é Mariana, tenho 21 anos e, após concluir a minha licenciatura em Línguas e Relações Empresarias, para grande surpresa de todos, resolvi que queria ser voluntária em África. Estive 6 meses em formação em Inglaterra e cheguei à Zâmbia há pouco mais de um mês.

O que eu mais gosto na Zâmbia são as pessoas. A cada momento pode acontecer qualquer coisa de surpreendente, como por exemplo no mini bus. Uma carrinha de 11 lugares que, surpreendentemente, tem a capacidade de transportar 14 pessoas, 4 galinhas e bagagens variadas (sendo que as maiores, como uma bicicleta ou um saco de milho, são transportadas no topo da carrinha, presas por uma fita preta de cabedal). O resultado foi que, durante grande parte da viagem, fiquei esmagada contra uma janela, ocasionalmente batendo com a cabeça no vidro da mesma e sentido o meu traseiro um tanto ou quanto quadrado.

Mas desenganem-se se pensam que só nos autocarros pequenos é que podem ter uma viagem cheia de aventura e suspense. A verdade é que antes de embracar no mini bus, tinha estado 4 horas num big bus, batendo constantemente com a cabeça no banco devido à condução acelarada e aos buracos existentes na estrada. O bom destas viagens é que a banda sonora dá nos vontade de dançar e, como nós já estamos a fazer movimentos involuntários por causa dos buracos na estrada, poupa-nos imenso trabalho.

Os motoristas são, na minha opinião, artistas. Tentam-se desviar dos buracos, mantendo quase sempre a velocidade a que estavam anteriormente e mesmo quando parece que um acidente vai acontecer, nada acontece. Impressionante. Gostaria (fora de brincadeiras) de aprender a conduzir com eles. Poderia ser que assim tivesse chance de ser aprovada no exame de condução, quem sabe.



Bem, por hoje é tudo. Até breve!