sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Uma viagem interior

Vir para a Zâmbia, para mim, foi muito mais do que vir para um país diferente. Foi uma reviravolta na minha vida em todos os aspectos.
Chegada à Zâmbia, deparei-me com situações que vão muito para além de ter que usar uma latrina ou tomar banho de balde. Deparei-me com pessoas diferentes, mas no fundo, iguais.
Cheguei à conclusão que andamos todos um pouco confusos com o que se passa a nossa volta. Descoberta curiosa. Às vezes pensava que era a única.
Quis tanto resistir a esta realidade, que o ser humano é um ser confuso. Quis resistir a realidade da miséria, da corrupção, da desigualdade, injustiça. do alcóol, das drogas, das expectativas, desilusões e dos relacionamentos falhados. Isto provocou um terramoto na minha cabeça. Fiquei zangada e tentei a todo o custo juntar as peças que restavam do que havia anteriormente. Sem sucesso.
Por mais que tentasse, não conseguia reconstruir o a minha realidade pessoal anterior. Algo mudou em mim que não volta atrás. Mas porquê tão confusa? Porquê tão confusa? A resposta é simples: Medo.
Sim, medo, toda a gente tem medo. Durante anos, tinha vergonha de admitir que tinha medo porque não queria parecer fraca, medo de dizer que estava confusa para não parecer uma pessoa “sem rumo” ou “perdida na vida”, medo de desiludir a minha família. No fundo, medo de não ser amada.
Em vez de encarar o medo com uma coisa natural, fui começando a sentir culpa e pondo o medo a um canto fechado a sete chaves. Mas só que o medo começou a pairar no terramoto de ideias e a provocar-me um desconforto que me queria aprisionar.
Quando andava no 12º ano, fui a algumas aulas de Psicologia. Lembro-me bem do professor dizer que o maior medo do ser humano é não ser amado. Compreendi a teoria, mas levei alguns anos a compreendê-lo na práctica.
Quer seja em Portugal, na Zâmbia ou na China, milhões de pessoas sentem-se condicionadas pelo o que as outras pessoas esperam delas, com medo de não ser aceites e, em consequência, de não ser amadas. No fundo, estão condicionadas por elas próprias, pelos julgamentos internos e pelo o medo de não corresponder às expectativas.
Ao criar estas barreiras psicológicas e ao tentar incansavelmente corresponder às expectativas que os outros têm sobre nós, o ser humano afunda-se na confusão. Daí deriva a depressão, abuso de alcóol, drogas e outros hábitos negativos que acabam por castigar o nosso corpo e a nossa alma.
Para quê viver uma vida centrada em corresponder às expectativas se isso nos faz mal? É como se nos fechássemos numa cela e, apesar de termos as chaves nas mão, preferíssemos ficar presos. Sentimo-nos que não conseguimos atingir o que os outros esperam de nós. Sentimo-nos inferiores a todos aqueles que parecem seguir uma vida bem sucedida, aos nossos olhos. Mas será que devemos guiar a nossa vida pelos outros, vivendo condicionados e rebaixados por nós próprios?
Agradeço por estar aqui, por esta viagem me ter dado um pouco mais de honestidade.
Se calhar é tudo mais fácil do que pensamos.

domingo, 10 de agosto de 2014

Voluntariado, mitos e verdades

Há algum tempo que não escrevo no blog. Tenho andado muito ocupada. Apesar de tudo, estou muito contente por estar aqui. Cada vez a gostar mais do ambiente em que vivo e das pessoas!
Quando decidi vir para a Zãmbia, não foi fácil.Apesar de ter tido apoio, muita gente me deu a conhecer as suas inquietudes acerca da minha vinda como voluntária. Aqui estão alguns pontos que gostaria de esclarecer sobre o assunto:

1. “Voluntariado é um desperdício de dinheiro. Devias era arranjar um trabalho e fazer-te à vida” - Estas foram as duas frases que mais ouvi antes de vir. É certo que para ser voluntária na Zâmbia, tive o apoio dos meus pais, o que foi (e é!) indispensável. Nem todos  os voluntários o têm! Entre os meus colegas, há alguns que não têm apoio exterior.
Apesar de entender as preocupações de algumas pessoas que teceram este tipo de comentários, classifico-os como completamente desnecessários. Infelizmente, nos dias de hoje, liga-se mais ao dinheiro e a “seguir o rebanho” do que às motivações individuais e ao desenvolvimento pessoal.

2. “És muito nova, não sabes nada sobre a vida. Devias era fazer um mestrado. Sem mestrado não se é ninguém” - Ao terminar  a minha licenciatura, com 20 anos, percebi que era tempo de me dedicar a uma coisa diferente, que realmente importasse. Há muito tempo que pensavir para em vir para África e achei que a altura era a ideal, sem nunca excluir a hipótese de continuar os meus estudos. Hoje posso dizer que sei mais sobre a vida do que sabia antes de deixar Portugal ou Inglaterra. E felizmente, continuo a ser alguém, mesmo sem mestrado.

3. “Se queres ser voluntária, porque é que não és voluntária no país em que vives?” - Esta é a questão que mais entendo. Há pessoas a precisar de ajuda por todo o mundo, mesmo nos países desenvolvidos. Tive a oportunidade de trabalhar como voluntária numa ONG portuguesa (Sapana) e em duas associações francesas. No entanto, queria uma experiência num país em desenvolvimento, onde as necessidades fossem mais básicas e latentes. Queria ver como se vivia e ajudar no que estivesse ao meu alcance.

4. “Os voluntários em África são pessoal estranho que passa a vida a passear, beber e fumar erva e no fim não fazem nada” - Algumas pessoas pensam que pelo o facto de uma pessoa querer vir para África ajudar os que mais precisam significa que essa pessoa é ingénua ou demasiado alternativa. Normalmente, as pessoas com esta opinião, pensam que os voluntários em África vivem numa espécie de Woodstock porque em África o alcool e a droga não são difíceis de encontrar.
Com certeza que há voluntários com este tipo de comportamento … como também há estudantes universitários com o mesmo comportamento! Não generalizemos!

5. “Só é voluntário quem não tem mais nada que fazer” -  A maioria dos voluntáros tem boas intenções. Não é toda a gente que abdica do seu tempo e conforto para para ajudar. Ter o que fazer ou não é muito subjectivo. Mas, no caso de uma pessoa não ter mais nada que  fazer, é sempre melhor ser voluntário do que não fazer nada de todo.

6. “As ONGS são todas corruptas e os voluntários ajudam à festa” - Muito infelizmente, há corrupção nas ONGs como há corrupção em todo o lado. Os voluntários não servem para corromper as ONGs. Os voluntários estão na base da pirâmide, portanto nunca ganham nada com a corrupção que possa existir. Se um voluntário quiser fazer alguma coisa e não puder por causa da corrupção, o mesmo sai prejudicado e não beneficiado.

7. “Vão te matar só por andares na rua” - Não sei como é nos outros países africanos, mas pelo menos aqui na Zâmbia, ninguém anda a matar pessoas na rua. Pelo contrário, querem parar para falar comigo e tirar fotos na minha companhia.

  Até ao próximo post!