Há experiências que nos marcam. A Zâmbia foi uma dessas
experiências. E deixou cicatriz.
Ainda me lembro do primeiro mês na Zâmbia – o mês da desilusão.
Sim, nos primeiros dias, não fiquei nada encantada com o país, as pessoas ou o
que quer que fosse. Antes pelo o contrário, tudo foi um choque – a destruição
do meu maior sonho até então.
Sonhava ir para uma Zâmbia calorosa, onde pudesse cumprir a
minha missão e compromisso com as comunidades locais e, onde, apesar das eventuais
condicionantes, pudesse estar descontraída. Também sonhava partilhar esta
experiência com pessoas com o mesmo objectivo que eu. Sonhei ainda casar-me um
dia com uma pessoa com quem esperava estar para sempre. No entanto, parece que
sonhei demasiado alto. Parece que quero sempre muita coisa ao mesmo tempo.
Às vezes, quando estamos demasiado focados num objectivo,
deixamos escapar detalhes que fazem a diferença. Antes de chegar à Zâmbia,
esses detalhes estavam lá, mas não os vi. Só os vi assim que cheguei.
A minha chegada à Zâmbia traduziu-se num misto de choque
cultural, choque com o projecto da ONG onde estive e, por fim, um terramoto
monumental na minha vida pessoal.
Acho que preciso de fazer um nota aqui – sempre tive uma
mais tendência para complicar, do que para descomplicar. Essa tendência nunca
me deu muito jeito, mas compensava-se sempre com alguma facilidade de
integração em grupos que ganhei nas minhas experiências internacionais antes da
Zâmbia. Hoje em dia, tenho muito mais facilidade em integrar-me em grupos de
gatos (os meus confidentes incansáveis durante os meus seis meses na Zâmbia).
Continuando a minha história, devo dizer que não sou pessoa
de estar parada – deprime-me um bocado, na realidade – então estar parada na
Zâmbia, era uma coisa que não iria acontecer.
Por esta altura, devem estar a pensar que se segue uma
história heroica de como consegui ultrapassar todos os obstáculos devido à
minha força de vontade. Meus amigos, acreditem, não tenho nada de heroína ou de
pessoa forte.
O que se seguiu foi um longo processo de aceitação da realidade.
E, digo-vos com toda a certeza, que ainda continua neste momento. Os diferentes
costumes, a ineficiência de algumas pessoas, a minha deficiência, a minha
personalidade e relações interpessoais completamente falhadas foram os pontos
derrubados pelo terramoto que se deu com a minha chegada à Zâmbia.
Felizmente, durante este primeiro mês, começámos a visitar
pré escolas. Aos ver aqueles miúdos tão queridos, hiperactivos e curiosos, não
os podia deixar ficar mal. Ao ver os professores a ensinar com tão pouco, a minha motivação para continuar cresceu. Os meus problemas ao pé daquela gente não eram
nada: tenho uma família com relativa estabilidade em tudo, nunca me faltou
nada, tenho amigos fantásticos com quem eu posso sempre contar (ainda que
espalhados por este muito fora).
O nosso trabalho nas pré escolas era ver o que faltava nas
mesmas (materiais, formação de professores, condições de higiene e saneamento) . Funcionou como um trabalho de adaptação sem o qual não tínhamos ficado a
conhecer elementos importantes das comunidades, como os professores. Então,
começamos logo a ter imensas ideias para tentar melhorar a qualidade de ensino
naquelas comunidades.
Alunos à frente da da pré escola de Musopelo B
Acontece que, pelo meio destas visitas, põe-se a questão do
transporte, que deveria ser uma bicicleta. Problema: não consigo andar de
bicicleta.
Então, vi-me na situação ridícula: estava lá para ajudar,
mas nem me conseguia ajudar a mim mesma. Ainda por cima, fundei, com a minha
equipa, um projecto em que o objectivo era dar bicicletas às comunidades.
Esta situação não era nada que eu não tivesse pensado antes.
Na altura, garantiram-me que não ia ter problemas com a mobilidade, pois podia
andar a pé. O meu problema era que queria ir a todo o lado, mesmo aos sítios
mais longe. Eu queria fazer tudo e não deixar nada por fazer, dedicar-me a 100%
e deixar as minha vida pessoal de lado. (Que ilusão!)
No final de contas, ninguém pôde andar de bicicleta. As
bicicletas existentes não eram de muita confiança e estavam literalmente a cair
aos bocados. Assim se resolveu a questão da mobilidade: toda a equipa a andar
pé.
Já a questão de deixar a vida pessoal de lado, não ficou muito
bem resolvida. Na verdade, aprendi à força que não é possível fazer uma separar
a vida pessoal da vida de voluntária.
Mesmo assim, pelo menos uma coisa encontrei tal e qual como
sonhei: uma Zâmbia calorosa, recheada de pessoas inspiradoras e situações que
me ensinaram tanto que ainda não consegui assimilar tudo o que aprendi.
Para terminar, quero dizer que não escrevo para aumentar o
meu ego ou fazer promoção à minha marca pessoal. Escrevo porque simplesmente
não consigo expressar oralmente tudo o que quero partilhar convosco acerca
desta minha experiência como voluntária na Zâmbia.
Obrigada por lerem.