segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Como me tornei mãe e professora na Zâmbia

Recordo com ternura o nome dos meus filhos: Janet, Eliza, Peter, Isaac, Royd e Oman.
Na escola onde vivia, havia um sistema de famílias: cada aluno estava inserido numa família constituída por 6 a 8 alunos, os “filhos”, e por 2 a três professores/voluntários, “os pais”. Foi assim que, mesmo sem me aperceber, fui-me aproximando destas seis maravilhosas pessoas, que tanto me inspiraram e que me continuam a inspirar.

A minha família e amigos na festa de despedida

Estes jovens, com idades compreendidas entre os 13 e os 25 anos (tinha uma filha mais velha que eu), tinham sido recrutados para aquela escola a partir de centros de acolhimento para crianças de rua.
Muitos jovens que estavam na escola tinham roubado, consumido drogas e alguns tinham-se mesmo prostituído.
Lembro-me bem do Peter, do Isaac, do Oman e da Eliza que, estando no segundo período do sétimo ano, não sabiam ler, escrever, ou falar bem inglês (a língua oficial da Zâmbia). Lembro-me bem que todos queriam passar no exame no final do ano.
Imaginam alguém com 13 ou 14 anos sem saber ler? Pior ainda, imaginam esse alguém a tentar por todas as maneiras passar o exame do final do ano e não conseguir por falta de conhecimentos base? Imaginam esse alguém a sentir-se humilhado, frustrado?
Esta realidade chocou-me. Chocou-me por muita gente não dar valor à educação,  dizer que a escola não serve para nada... chocou-me por estes meninos que podiam ser tanta coisa, não o poderem ser porque não têm acesso à educação básica. Sim, não falo de ensino secundário ou de universidade, falo de aprender a ler, escrever e contar. O que para nós é mais que básico.
O governo da Zâmbia, como muitos governos pelo mundo fora em países em desenvolvimento, não tem fundos para tornar a educação gratuita. A educação é paga e varia de 15 a 30 euros por ano, o que é uma quantia que uma família africana tradicional (forçosamente numerosa) não se pode dar ao luxo de despender por cada filho.
Foi por tudo o que já referi que resolvi começar aulas de apoio de Leitura e de Inglês. Nas aulas de Leitura, tentava trabalhar os sons e a pronúncia, letra por letra. Nas aulas de Inglês, ensinava vocabulário e gramática.
Foi um grande desafio para mim, pois nunca tinha sido professora antes. No entanto, foi uma experiência muito enriquecedora que me pôs muitas vezes à prova.
Entre outras coisas, tentar explicar estruturas gramaticais a jovens que nunca tinham ido à escola foi o mais difícil. Levei quatro aulas a explicar o verbo “to be” porque simplesmente os meus alunos não conseguiam perceber que esse era o verbo que mais usavam no dia a dia.
Acima de tudo e, apesar dos desafios, os meus alunos tinham um imenso respeito por mim. Eram poucos os que apareciam, mas sabia que estavam realmente interessados. Sinto muita falta deles.

 Os meus alunos de inglês na última aula

Na verdade, na Zâmbia encontrei gente muito mais rica do que em Portugal, rica no que realmente interessa – em espírito.  Estes jovens agradeciam todos os dias a Deus por aquilo que tinham.
Não é a religião que quero analisar neste caso, mas sim o sentimento de gratidão que jovens problemáticos têm em relação a uma vida sem nada material, mas cheia de valor espiritual. Não nos falta um pouco disto neste nosso mundinho?

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