Recordo com ternura o nome dos meus filhos: Janet, Eliza,
Peter, Isaac, Royd e Oman.
Na escola onde vivia, havia um sistema de famílias: cada
aluno estava inserido numa família constituída por 6 a 8 alunos, os “filhos”, e
por 2 a três professores/voluntários, “os pais”. Foi assim que, mesmo sem me
aperceber, fui-me aproximando destas seis maravilhosas pessoas, que tanto me
inspiraram e que me continuam a inspirar.
A minha família e amigos na festa de despedida
Estes jovens, com idades compreendidas entre os 13 e os 25
anos (tinha uma filha mais velha que eu), tinham sido recrutados para aquela
escola a partir de centros de acolhimento para crianças de rua.
Muitos jovens que estavam na escola tinham roubado,
consumido drogas e alguns tinham-se mesmo prostituído.
Lembro-me bem do Peter, do Isaac, do Oman e da Eliza que,
estando no segundo período do sétimo ano, não sabiam ler, escrever, ou falar
bem inglês (a língua oficial da Zâmbia). Lembro-me bem que todos queriam passar
no exame no final do ano.
Imaginam alguém com 13 ou 14 anos sem saber ler? Pior ainda,
imaginam esse alguém a tentar por todas as maneiras passar o exame do final do
ano e não conseguir por falta de conhecimentos base? Imaginam esse alguém a
sentir-se humilhado, frustrado?
Esta realidade chocou-me. Chocou-me por muita gente não dar
valor à educação, dizer que a escola não
serve para nada... chocou-me por estes meninos que podiam ser tanta coisa, não
o poderem ser porque não têm acesso à educação básica. Sim, não falo de ensino
secundário ou de universidade, falo de aprender a ler, escrever e contar. O que
para nós é mais que básico.
O governo da Zâmbia, como muitos governos pelo mundo fora em
países em desenvolvimento, não tem fundos para tornar a educação gratuita. A
educação é paga e varia de 15 a 30 euros por ano, o que é uma quantia que uma
família africana tradicional (forçosamente numerosa) não se pode dar ao luxo de
despender por cada filho.
Foi por tudo o que já referi que resolvi começar aulas de
apoio de Leitura e de Inglês. Nas aulas de Leitura, tentava trabalhar os sons e
a pronúncia, letra por letra. Nas aulas de Inglês, ensinava vocabulário e
gramática.
Foi um grande desafio para mim, pois nunca tinha sido
professora antes. No entanto, foi uma experiência muito enriquecedora que me
pôs muitas vezes à prova.
Entre outras coisas, tentar explicar estruturas gramaticais
a jovens que nunca tinham ido à escola foi o mais difícil. Levei quatro aulas a
explicar o verbo “to be” porque simplesmente os meus alunos não conseguiam
perceber que esse era o verbo que mais usavam no dia a dia.
Acima de tudo e, apesar dos desafios, os meus alunos tinham
um imenso respeito por mim. Eram poucos os que apareciam, mas sabia que estavam
realmente interessados. Sinto muita falta deles.
Os meus alunos de inglês na última aula
Na verdade, na Zâmbia encontrei gente muito mais rica do que
em Portugal, rica no que realmente interessa – em espírito. Estes jovens agradeciam todos os dias a Deus
por aquilo que tinham.
Não é a religião que quero analisar neste caso, mas sim o
sentimento de gratidão que jovens problemáticos têm em relação a uma vida sem
nada material, mas cheia de valor espiritual. Não nos falta um pouco disto
neste nosso mundinho?
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